sábado, 12 de março de 2011

ANTES DA COISA TODA COMEÇAR


Em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil, a peça Antes da coisa toda começar, de Mauricio Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, com direção deste último e encenada pela Armazém Companhia de Teatro é um mergulho nos nossos sentidos.
A peça em si parece não ter lógica alguma ao seguir um conceito completamente absurdo ao qual o público de teatro não está muito acostumado, visto que nos habituamos a histórias lineares.
No entanto, um pouco de atenção faz com que a gente perceba o fio narrativo e nota que três personagens conduzem as cenas, e que esses três personagens são as lembranças de um espectro (segundo a sinopse oficial do espetáculo). Mas como a peça fala sobre morte de uma maneira quase que imperceptível (embora muitas vezes citada) seria mais apropriado dizer que é um fantasma com suas possíveis lembranças.
Os três personagens condutores da narrativa são Léa, uma cantora frustrada que tentou o suícidio e agora agoniza numa cama de hospital porque fracassou no seu intento. Zoé, uma garota apaixonada pelo irmão e que não consegue concretizar essa paixão e Téo, um ator canastrão que tem consciência de sua falta de talento. O ponto em comum entre as três personagens é o fracasso, embora outros pontos possam ser ligados de acordo com cada espectador.
Por ser fragmentado, o texto é um verdadeiro jogo de quebra-cabeça em que sempre faltará uma peça para realizar o encaixe perfeito, o que permitirá múltiplas leituras do espetáculo.
Em tempo: A música executada ao vivo pelo próprio elenco dão um ritmo alucinante e um enorme charme à peça.
A Armazém Companhia de Teatro esteve em São Paulo, no ano de 2005, apresentando a peça PESSOAS INVISÍVEIS, baseada nos quadrinhos de Will Eisner. Ao assistir ANTES DA COISA TODA COMEÇAR, tive o meu reencontro com o trabalho desse grupo.
Sobre o elenco, a atriz Patricia Selonk dá um show como Zoé. Segura de si em todas as cenas em que esteve presente, ela destaca-se do restante do grupo, que também não faz feio quando requisitados em cargas dramáticas mais apuradas.
Juliano Vieira

O RITUAL



Eu nem sei ainda por que insisto em assistir a filmes do gênero, já que sei que não vou gostar. Talvez seja pela ânsia de ver tudo que está em cartaz na cidade. Ou ainda pode ter sido pelo fato de o filme ter por protagonista o ator Anthony Hopkins, de quem admiro o trabalho desde o já clássico O silêncio dos inocentes.
Mas enfim, lá estava eu na sessão no shopping Tamboré, assitindo a mais um filme sobre exorcismo. O diferencial desse para os outros é que a sinopse diz que o roteiro foi baseado em fatos reais. Talvez até seja mesmo.
O filme não chega a ser terror, não assusta ninguém, e é um festival de más interpretações, ou no mínimo, interpretações limitadas, incluindo aí a de Alice Braga, que dá vida a uma jornalista que quer fazer um artigo sobre o fenômeno do exorcismo.
Michael Kovak, vivido por Colin O'Donoghue (um fraco desempenho) trabalha na funerária de seu pai preparando corpos para serem velados, quando surge a opção de ir estudar por quatro anos num seminário tornar-se padre. Quando percebe que não tem vocação alguma para seguir a religião devido ao seu extremo ceticismo, ele recebe uma proposta para ir a Roma estudar rituais de exorcismo, e assim não ter que reembolsar o dinheiro da bolsa que a igreja católica lhe concedeu durante os quatro anos de seminário.
Quando o curso começa e o Padre responsável percebe toda a descrença de Michael, ele o apresenta a Padre Lucas, (Anthony Hopkins), um dos mais respeitados exorcistas do mundo. E aí o conflito íntimo se instala pois Michael começa a presenciar cenas sobrenaturais que sua mente racional não consegue processar. Como podem perceber, um papel de carga dramática complexa foi entregue a um ator sem expressão alguma.
Outra situação que contribui de forma negativa no filme é que já virou clichê sempre ter uma mulher possuída pelo demônio e se contorcendo toda. Esse filme em particular me lembrou até o clássico de Roman Polansky, O bebê de Rosemary, pelo fato de a moça possuída estar grávida. Mas não há analogia entre um e outro, foi apenas uma lembrança evocada mesmo.
Em tempo... o filme não disse a que veio. E Anthony Hopkins, ultimamente, por mais que seja um grande ator, tem deixado a desejar a aceitar fazer filmes como O lobisomem e O ritual. Ou está precisando de dinheiro ou está sendo muito mal-assessorado por seu agente.
Juliano Vieira

segunda-feira, 7 de março de 2011

TIO BONMEE, QUE PODE RECORDAR SUAS VIDAS PASSADAS.


Dando vazão a minha paixão por filmes, resolvi ver neste feriadão prolongado alguns filmes, dentre eles, o ganhador do festival de Cannes 2010: Tio Bonmee, que pode recordar suas vidas passadas, de Apichatpong Weeresethakul.

O curioso é que por ter ganhado a palma de ouro em um dos principais festivais de cinema do mundo, o filme foi super bem recebido pela crítica especializada brasileira. Mas aí eu lanço uma pergunta: Será que entenderam? Será que as pessoas que dizem que gostaram entenderam? Ou apenas estão seguindo os especialistas?

O enredo em si não traz nada de complicado. Tio Bonmee tem uma doença renal e muda para a floresta com sua irmã, enquanto espera a morte ou a cura. Vai saber. O grande problema é que as cenas se arrastam em diálogos intermináveis, muitas vezes nonsense para um público ocidental.

Não estou dizendo que o filme seja sem sentido, talvez tenha significados até demais. Muitas camadas de significado. Temos que levar em conta que o diretor é tailandês, e talvez haja muito da cultura e folclore tailandês ali presentes, obscuros para nós que não somos muito familiarizados com o cinema asiático, a não ser os mais clássicos, como os japoneses, chineses e iranianos.

O filme é estranho. Pode ser que a estranheza presente no filme é o que torne para lá de "artístico". O ritmo é lento, beira mesmo à chatice. É enfadonho. Não à toa, muitos estavam a bocejar ou cochilar na sessão. Se eu estivesse cansado acabaria dormindo também.

Há cenas inexplicáveis. Ou explicáveis para quem entenda de cultura tailandesa.

Só para citar algumas, durante um jantar o espírito da esposa de Tio Bonmee aparece à mesa, e em seguida o filho dele desaparecido há seis anos, transformado em macaco-fantasma porque copulou com outro macaco-fantasma.

Uma cena linda, mas para lá de surreal é uma princesa conversando com um bagre. E depois, esse bagre deflorando a princesa, de modo a tingir o lindo cenário de cachoeiras de um vermelho vivo nas águas. Ou ainda, a cena em que um monge sai para jantar e vê seu corpo assistindo a televisão.

Não sei se esse filme tem uma explicação lógica, ou se só deve servir como uma experiência sensorial por conta das fotografias belíssimas de cada cena.

Um amigo em comum disse que eu não gostaria do filme... e que era melhor eu não ir ver. Mas fui. Achei chato, e por mais paradoxal que possa parecer... tenho vontade de ver novamente, para tentar pegar detalhes que possam ter me escapado.

Mas o começo do filme já é uma prévia do que teremos uma narrativa lenta pela frente. Um boi amarrado à uma árvore e que foge até ser capturado.

Os mais corajosos ficam até o fim. E mesmo que achem enfadonho o filme, resistam. Não saiam no meio da sessão...

Talvez a experiência cinematográfica em vocês façam muito mais sentido que em mim.

E se o assunto às vezes falta no filme, e a gente dispersa com outros pensamentos durante a sessão... a fotografia que passa diante das nossas retinas é deslumbrante.

Afinal, gostei? Não gostei? Nem eu sei, pois não considero o meu aborrecimento, a chatice que senti ao ver o filme como sinônimo de um filme ruim. Talvez minha mente não estivesse mais apta para refletir, pois já tinha visto dois filmes antes, o blockbuster 127horas, e o excelente Incêndios.

Quem sabe Tio Bonmee não reprise na mostra cinesesc em Abril, ou em alguma outra mostra e eu tenha a oportunidade de lançar um segundo olhar? Um olhar mais apurado e menos viciado?


Juliano Vieira






Marcas do Infortúnio


Não se deixem enganar pelo título de novela mexicana...


Marcas do Infortúnio é um grande romance da literatura brasileira contemporânea.


Escrito por Jonan de Castro Reis e publicado pela Editora Kelps, de Goiânia no ano de 2010.


Embora o início possa soar um pouco estranho por conta dos capítulos introdutórios do livro serem dedicados a um crocodilo de nome Nick, e o modo como ele defende seu território atacando a tudo e a todos que ele vê pelo seu caminho. O curioso é que quando lemos a contracapa, temos a impressão de que Nick é um homem. E só a leitura mesmo do prólogo é que desfaz essa confusão da leitura de contracapa.


A única pessoa que tem uma boa relação com Nick é a garota Mirny, que o conhece desde pequena e é a única com quem o crocodilo se sente seguro, no entanto, a garota se muda para a cidade grande, onde vivenciará novas aventuras que a levarão ao infortúnio do título.


O romance de 334 pp não é cansativo para os leitores, por mais que abuse de flashes-backes e descrições pormenorizadas, a ação está sempre presente. E as mudanças de capítulos sempre traz um frisson, deixando-nos na expectativa do que é que pode acontecer com as personagens, sempre em situações-limite.


Outro dado curioso é o excesso de passagens eróticas. Há momentos que temos a imprressão de estarmos lendo um conto erótico publicado em revistas masculinas, inclusive com uma linguagem vulgar e obscena. Nada contra, visto que o erotismo é algo natural e faz parte da sexualidade humana, e os personagens são extremamente humanos. Não há mocinhos não há vilões. Todos apresentam defeitos e qualidades. O maniqueísmo passa longe da obra, muito embora em alguns momentos a gente torça para que algum deles se dê mal. Nem mesmo Mirny é uma heroína perfeita, se formos levar em consideração algumas atitudes que ela toma no decorrer da trama.


Marcas do Infortúnio traz muitas reflexões em seu bojo: os valores morais, éticos, religiosos, reflexões que passarão despercebidas se o leitor não for um leitor atento às entrelinhas, pois a narrativa é fluída e à medida que os capítulos vão avançando não temos mais vontade de largar o livro.


PS. Jonan de Castro Reis é o mesmo autor de Contos de Arremedo, livro que foi apresentado a mim por intermédio do meu tio Laércio, de Uberlândia - MG. A princípio, ao ler a contracapa do livro de contas, não senti a mínima vontade de lê-lo, pois o resenhista havia comparado seus contos aos de Machado de Assis, o que considerei um sacrilégio. Demorei quase um ano para então folheá-lo e ler um conto. O primeiro conto me encantou. Li outro, mais outro, e quando vi tinha lido o livro todo. Não sei se Contos de Arremedo se equiparam aos contos de Machado de Assis, mas que os contos são excelentes, isso são. Fica na boca sempre o gosto de quero mais.


Marcas do Infortúnio também foi o mesmo tio de Uberlândia que me apresentou a obra, já que ele é amigo pessoal do autor. Me pediu que eu lesse e que entrasse em contato com o autor. Até me passou o e-mail dele. Mas como sou displicente, o perdi. Enfim, o livro eu li. Levei duas semanas. Mas o livro estava encostado desde outubro de 2010 na estante. Agora, tenho que devolver, e se por acaso achar o e-mail do autor, envio a ele minhas considerações.


Juliano Vieira